Estamos num campo de batalha. Há corpos que jazem inertes por entre os despojos de ódios e competições inúteis. Efémeras são as balas que nos trespassam. De um momento para o outro já não existem dois lados, um oponente a nós mesmos. Há agora um só lado: o lado de cada um. Lutas de todos contra todos desfazem a frágil união de uma condição de se existir e ser-se Homem. Ali estou, no mesmo campo de batalha, onde já não existem meus aliados nem meus inimigos, onde as lâminas incisivas e impiedosas que varrem almas se tornaram iguais porque deixámos de saber o que fazer com as nossas vidas.
Estamos num campo de batalha. Há risos de escárnio e gritos exasperantes que reclamam ajuda que não chega. Eu estou nesta seara de terror. Olho em redor e não há rostos, apenas corpos que se debatem por um lugar que é de todos. A chuva. O chão lamacento. As lágrimas. Lá no alto vê-se o tal, vitorioso e contemplado com o recolher de restos de tempo. Numa guerra alguém tem de vencer...Mas será que a guerra tem de ser erguida para que haja quem vença?
Estamos num campo de batalha. No fundo estamos sozinhos. Até ao último restício de sol os errantes deambulam por entre mundos de outros, que lhes merecem mais atenção do que o sofrimento dos que lutam. Hoje todos lutamos. Hoje alguém morre enquanto perdemos tempo com lutas infrutíferas, assentes em ideais erróneos. Hoje somos irmãos da nossa força e não do próximo.
Estamos num campo de batalha que antes foi um jardim de paz, cujos frutos foram arrancados precocemente, para serem deitados para valas comuns. Apodrecem os sonhos. O tempo passa. Somos iguais na diferença do que nos faz ansiar por mais. O tempo passa. Cansados, fitamos o nosso troféu. o nada.
Hoje somos ilhéus de revolta inusitada, estúpida, fútil. Eu sou uma espada também, mas não quero destruir mais frutos. Sou empurrada para a frente. A resignação. Nem tudo tem de escapar à nossa vontade, certo? Haverá alguma coisa que nos pertença deveras? Enquanto a resposta não chega a seara de medo é semeada incessantemente. Usados, sujos, esmagados são os frutos dos sonhos, os próprios sonhos. Somos todos escravos voluntários de vontades alheias que nos rebelam uns contra os outros e contra as quais não nos insurgimos. Vagueamos vazios.
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Uma qualquer invenção já antiga que me foi gentilmente pedida.
1 pés descalços:
Só a mim me consumiu o gélido arrepio da perplexidade quando te ouvi discursar isto naquele auditório. Sei que queria continuar a ouvi-lo vezes sem conta, que nunca terminasse. Tudo: conseguiste transmitir tudo o que era possível nestes excertos: a contrariedade humana, o jogo de conquistas lamacentas, a sede humana por douradas glórias, prémio merecido pelo jugo do adversário. O dia-a-dia do soldado incorporado na Maria Rebelo ou no João Absinto, no tio dela e no primo dele, envergando essa espada pelo pão que os alimenta. Perfeito.
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